Amizades que acabam
Depois de pensar (e surtar) muito - vocês me conhecem - eu decidi adicionar a opção paga da newsletter. O que significa que, a partir de agora, você vai poder apoiar financeiramente a minha escrita.
Siiiim, a coisa tá ficando séria!
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Um pequeno passo para a humanidade, um grande passo… pra mim, kkk. Me ajuda a me convencer de que a “síndrome da impostora” estava errada e que a minha escrita vale sim ser paga.
Dói mais do que fim de relacionamento romântico.
Às vezes com razões explícitas, brigas dramáticas, climão com o resto do grupo; às vezes acontece devagarinho, num silêncio que vai falando mais alto do que a conversa que já não é mais a mesma. O desconforto vai crescendo toda vez que se esbarram sem querer, até ficar insustentável. Pode acontecer também da vida tomar a decisão por vocês e tirar de campo um dos elos dessa corrente.
Amizades acabam e envelhecer é dar-se conta disso.
Infelizmente, mais do que gostaríamos.
Comecei a pensar no fim das amizades quando o meu melhor amigo faleceu em 2019.
Não foi uma decisão dele - tampouco minha, de terminar uma das relações mais importantes das nossas vidas. Algo maior do que nós achou que era hora de por um fim num vínculo tão profundo e sincero. Num dia, ele respondia às minhas mensagens no WhatsApp; no outro, acordava eu com a mãe dele me ligando, gritando o seu nome sem parar.
O sentimento de perda foi avassalador.
A lâmina entrou tão afiada e tão fundo no meu estômago que eu nem senti na hora. Fiquei suspensa no ar, de pé em cima de uma nuvem pesada que ia de um lado para o outro, durante dias.
A minha pessoa no mundo não existia mais e, pra uma ateia como eu, segue sendo difícil não encontrá-la em nenhum outro lugar além de dentro de mim.
Mas a morte não foi a única responsável por acabar uma amizade por aqui.
De um dia para o outro, comecei a perceber que uma amiga - antes tão próxima, nunca mais tinha aparecido. Bati em sua porta algumas vezes e, a cada vez que ela abria, era mais morna comigo. Até ficar completamente fria.
Auto centrada, passei dias pensando no que eu tinha feito pra ela.
Obcecada tentando entender onde foi que eu errei.
Quando deixei isso acontecer?
Perdi meu sono e minha paz ruminando os motivos de uma decisão que não foi minha.
O que aconteceu com ela? Por que ela acha que não pode contar comigo? Por que ela não quer mais contar comigo?
Culpei a mim mesma, a culpei, culpei a pandemia, culpei a merda do país que a gente inventou de morar. Culpei as outras amizades dela, culpei até a astrologia que nem acredito.
Nada em mim queria acreditar que algo tão importante havia acabado e nada podia ser feito para consertar e ter de volta. Algo se rompeu, se perdeu, deixou de fazer sentido e eu, no ápice da minha imaturidade, demorei pra aceitar. Ainda não aceito, pra ser sincera, sinto saudade de quem éramos juntas, apesar dessas versões já não habitarem mais o mesmo lugar que nós.
*
Tempos depois, lá estava eu do outro lado da mesma situação.
Comecei a me sentir mais desconfortável do que à vontade na presença de uma amiga. Nos nossos encontros, eu não conseguia mais falar sobre tudo sem pensar muito, relaxada e tranquila como antes. Me policiava, escolhia as palavras, me continha. Uma certa resistência em me abrir com ela, em ser eu sem filtros, crescia mesmo quando não estávamos juntas.
E, apesar de crer em poucas coisas, eu acredito muito no que o meu corpo fala.
E, naquele momento, ele dizia pra eu me afastar dela. E foi o que eu fiz.
Sem dizer nada.
Sem me explicar.
Exatamente como fizeram comigo.
Em minha defesa, em nenhum dos cenários que criei na minha cabeça ela recebia bem o que eu tinha pra falar. Um drama se iniciaria independente da maneira como eu abordasse. Então, preferi me acovardar e dar ghosting.
Causando no outro o mesmo desconforto que me foi causado.
Amizade é um termo que abrange tudo — o familiar, o romântico, o nostálgico.
Presumimos que elas serão um porto seguro eterno, um lugar previsível e confortável sempre que quisermos ou precisarmos. É o tipo de relacionamento ideal onde podemos ser nós mesmos sem tantas cobranças como um namoro ou a relação com os nossos pais.
Mas a verdade é que as amizades são frágeis e a maioria não é construída para durar para sempre. Poucas resistem ao tempo, à geografia e à política.
As circunstâncias mudam, os laços diminuem.
Existem discussões violentas ou traições escandalosas que podem destruir uma amizade. Mas, é mais comum não existir exatamente uma explicação para esse fim. A atmosfera muda; conversas que antes eram livres se tornam aquela coisa protocolar de "colocar o papo em dia".
A gente muda de país, deixa de gostar de algo que tinha em comum com o amigo, vira vegan, casa, tem filho, adota um hobby como parte da personalidade, para de beber. Muitas dessas coisas acabam se tornando o início do fim de uma amizade. Deixamos de ser o que éramos (e mesmo sem perceber, isso acontece o tempo todo) e nem sempre o outro consegue acompanhar.
E logo você percebe que o Instagram é a única coisa que mantém uma amizade que mal faz sentido no offline.
Triste e com um fim declarado ou só com um afastamento desengonçado e meio covarde, as amizades que acabam sempre nos deixam destruídos. Eu não superei nenhum dos 3 casos que contei aqui e, vez ou outra, me pego pensando neles com uma sensação de fracasso (?), de ter deixado isso acontecer.
Mas é verdade que a gente não pode forçar as coisas a melhorarem na marra, desrespeitando os motivos pelos quais o conflito (escancarado ou disfarçado, provocado ou natural) aconteceu.
Muito do confronto interno que eu ainda tenho sobre as minhas amizades que acabaram vem da esperança de que as coisas ainda possam mudar e voltar a ser o que eram. Ou ainda de que talvez a pessoa (ou eu!) mude e aquilo volte a fazer sentido.
Aceitar que uma pessoa que era até então um lar para as nossas vulnerabilidades, não é mais compatível com a gente, dói. Muito. E é um gosto amargo que paira na boca e dança um tango triste, difícil de engolir.
Mas a vida acontece e as pessoas crescem juntas ou separadas. Muitas vezes em direções diferentes, inclusive. E é normal que isso aconteça.
Às vezes, há uma falha de comunicação que não pode ser corrigida e acaba virando um monstro impossível de ser combatido. Às vezes, rola um desinteresse em continuar tentando encontrar um ponto em comum. E tudo bem. Nem todo mundo que corre ao nosso lado fará parte da nossa jornada para sempre.
É normal desejar que as coisas sejam diferentes.
É normal não querer que esse capítulo chegue ao fim.
Mas, infelizmente, chega.
“Você não supera, você só larga a bagagem e vai viver a sua vida.”
O que dá pra fazer é assumir que fizemos o nosso melhor para manter as coisas autênticas e honestas enquanto havia tempo. E aceitar que algumas relações tem data de validade: nos servem de alguma maneira durante um período e depois se desfazem. Doloroso, mas real.
No mais, é não permitir que isso nos impeça de seguir amando e sendo presente para os amigos que ficaram e para aqueles que vão surgir. Pegar o que aprendeu com a amizade que acabou - discernimento, limites, respeito - e seguir quando for possível.
E deixar ir.
*
Quando esbarro sem querer com uma das pessoas que eram minhas amigas, forço uma atualização meio constrangedora (que mal dura cinco minutos) por não saber o que fazer com o vácuo que hoje existe entre nós. Então, tudo bem? Tudo e você? E os cachorros? Estão bem também! Vamos marcar algo? Claro que sim, me fala quando você pode. Falo sim.
E nunca mais nos falamos.
Até nos encontrarmos por acaso outra vez.
Passar rapidamente uma pela outra tem sido mais um instinto do que uma decisão, mas é a única maneira de honrar o que foi a nossa amizade.
*
Para as pessoas que foram tão amigas e que o tempo, as circunstâncias e/ou as eleições causaram o fim: obrigada por terem sido refúgio enquanto fazia sentido e obrigada por terem permitido que eu também fosse um meio de tornar o mundo menos difícil pra vocês. Criar distâncias e torcer de longe, muitas vezes, é melhor do que ver o respeito e a admiração se perdendo de perto.
Ao Luan, amizade que acabou porque a vida é injusta pra caralho, só digo: em mim, ela continuará para sempre.
Para assistir:
Os Banshees de Inisherin (e se o seu melhor amigo, de repente, decidisse que não quer mais falar com você? E preferisse cortar um dedo a voltar a ser seu amigo? Juro, esse filme é UMA COISA!!!)
Também já fui cobarde e dei ghosting, assim como já me deixaram pendurada. Noutras, o laço foi-se desvafazendo, as conversas diminuindo e o ambiente amornando. Por muito tempo, custou -me aceitar e atualizar essas circunstâncias, em que aquelas amizades já não compareciam mais.... contudo, tenho me permitido fazer o luto, honrando as boas memórias pelos amigos que fomos, ainda qur ainda doa pensar, sobretudo, nos motivos que nunca foram esclarecidos. A vida também me ensina quando desistir de tentar compreender algo que fica melhor no mistério, nem sempre precisamos de conhecer todas as razões de uma amizade ter terminado. Como qualquer outra coisa, têm os seus ciclos, muitos se renovam, tantos nem por isso. Há casos em que até regressamos para a vida uns dos outros, renovados, com a cabeça organizada, prontos para uma nova etapa. Acho que o importante é sabermos levar estas questões de peito e mente abertos, de coração leve. Também já perdi amizades para os braços da morte, convivo com um gosto amargo pelo que poderia ter sido nos tempos que correm, diria até que é um caso que me ajuda a relativizar as demais relações que tenho na vida.... Quando se perde alguém assim, sem aviso, muitas são as estruturas internas que se movem, as prioridades que se transformam e os objetivos. Daí que, de igual modo, existam amizades que deixem de ser o que eram.... Lidar com pessoas tem destas coisas, numas vezes somos os heróis, noutras os vilões. Se soubermos desenvolver a capacidade de aceitar, creio que a dor se trabsforme noutras coisas. Não sei no quê ao certo, ainda estou a aprender.....mas não esperava ter tanto para dizer. Obrigada por esta partilha 🫂❣️
imensamente grato por escrever sobre isso, estou passando por esse processo, e passei por outro. Agradeço, pois é bastante doloroso e o apego a elas permanece, mas é necessário. Fique bem, Tamires :)