Para onde vai todo o meu dinheiro? 😩
Revelando a minha (não mais secreta) incapacidade de lidar com dinheiro
Era domingo de manhã. Um dos primeiros de primavera em Portugal, temperatura amena, céu azulzinho. Sem muitos planos, levantei da cama assim que acordei, fiz um café e, enquanto o tomava, meu namorado puxou um assunto que tem sido bem comum entre a gente: comprar um apartamento.
Diferente de momentos anteriores que tínhamos falado sobre, trocando links de apartamentos à venda, sonhando e nos imaginando com uma varanda espaçosa, dessa vez ele iniciou a conversa com um tom mais sério, fazendo perguntas “práticas” do tipo, como/ quando/ onde e… quanto eu conseguiria ter guardado até o final do ano para darmos a entrada. Eu poderia ter mentido, eu poderia ter mudado de assunto, eu poderia ter falado a verdade sem muito drama.
Mas, ao invés disso, eu tive uma crise de ansiedade.
Esse ano faço 30 anos e trabalho desde os 17. Com muita vergonha e nenhum orgulho, posso dizer que passei todos esses anos fazendo más escolhas atrás de más escolhas financeiras, não economizando nada e gastando como se dinheiro não fosse problema. Como estive empregada de forma mais ou menos consistente, consegui sobreviver e até prosperar (?) mesmo com esses maus hábitos.
E é engraçado assumir isto porque, como sou alguém que raramente faz compras grandiosas, eu aposto que as pessoas não imaginam que eu tenha essa postura HORROROSA com dinheiro. Mas é que eu sou viciada em viver, viajar, comer bem e ter uma rotina confortável e esteticamente agradável e, bom, dá pra deduzir que isso tudo custa. E não é pouco. 🤷♀️
Claro que eu poderia culpar:
Os meus pais por não terem me ensinado nada sobre dinheiro;
O capitalismo por fazer com que eu constantemente deseje coisas que não preciso;
A recessão que faz o básico ficar inalcançável.
Mas a questão é que, independente de questões externas, eu nunca soube lidar com dinheiro. E tô exausta disso. Essa crise tem impactado quase todas as áreas da minha vida e contribuído especialmente com a piora da minha saúde mental.
Será que sou a única?
Para começar a melhorar a minha relação financeira, pensei primeiro em falar com alguns amigos. Afinal, não é possível que eu seja a única fodida que precisa lidar melhor com isso, né? Bom, em 5 minutos de Instagram, o que me pareceu é que sim, sou a única que tem que abrir mão de várias coisas para, minimamente, alcançar alguns objetivos.
De story em story, o que vi foi todo mundo comprando coisas de marca, indo em restaurante caro, viajando todo fim de semana… e a pergunta que ecoava na minha cabeça era: DE ONDE ESSAS PESSOAS ESTÃO TIRANDO TANTO DINHEIRO?!
É claro que eu sei que essa comparação com a vida dos outros é rasa e boba, mas sei também que ela é inevitável. Afinal, ninguém posta o score do Serasa, né? Só publicamos a parte boa dos ✨ recebidinhos pagos ✨ chegando e não da fatura do cartão de crédito.
Inclusive, uma pesquisa gringa disse que só 18% dos millennials afirmaram nunca mentir sobre as suas situações financeiras. Bom, ou tá todo mundo realmente com mais saldo bancário do que eu ou tem gente também tendo crise de ansiedade toda vez que abre o app do banco.
Bom, antes que eu começasse a ter raiva dos meus amigos comprando bolsinha Jacquemus e gastando um salário num jantar, resolvi eu mesma promover o diálogo sobre esse tema, encorajando você, que também sofre para se entender com dinheiro, a fazer o mesmo.
Disclaimer: esse texto demorou para sair porque eu senti vergonha de me expor. Muito medo também… de mudar a imagem que alguém podia ter de mim (?) De desapontar quem achava que eu era boa nisto (?) Mas como criei esse espaço justamente para trabalhar as minhas questões e ser um braço da minha terapia, aqui estou eu: de peito e carteira abertos.
Importante deixar bem claro também que o texto todo tá focado na minha experiência pessoal. Sou da classe trabalhadora, ganho um salário “““acima da média””” (bota aspas nisso) para a realidade do país em que vivo e compartilho contas básicas/ aluguel com o meu namorado há 5 anos.
Demorei para ter acesso, agora quero comprar o mundo
Durante um tempo justifiquei o meu gasto excessivo dizendo coisas como “nunca pude ter, agora que tenho condições, não vou passar vontade”. E se você, assim como eu, é de origem humilde, sabe que esse argumento faz sim muito sentido. Perdi a conta das vezes que sonhei com um par de tênis da marca X, uma viagem para o país Y e etc. Aí, quando me vi em uma situação que poderia realizar esses sonhos, qualquer racionalidade que ousasse me impedir de fazer isto era imediatamente descartada.
Mas até quando esse argumento é justificável? Até que ponto os mimos que eu me dou por “poder pagar” se sustentam? Do que eu abro mão (especialmente a longo prazo) quando, no dia a dia, faço tantas concessões à mim mesma?
Tantas perguntas…
Não dá pra negar que o dinheiro é uma ferramenta importante na realização de desejos antigos. Ignorar isso e levar, enquanto adulto, uma vida de privação é triste e nos mantém numa posição de “não merecedores” e com aquela sensação de que “a nossa hora nunca vai chegar”.
Mas é preciso também que a gente entenda que o dinheiro não é a única forma de recompensa, conforto e alívio; talvez o que a nossa criança interior, que sofreu com a privação, realmente precisa é que a gente prospere financeiramente de uma maneira mais consciente, nos tornando aptos a ter uma vida tranquila.
Mas como romper com essa visão imediatista e parar (ou pelo menos retardar) a minha falência total? Será que é possível me educar financeiramente depois de mais de 10 anos ganhando o meu próprio dinheiro? Será que é possível me tornar mais consciente financeiramente enquanto ainda me apego a confortos de patricinha ou tenho que dizer adeus a tudo isso? 😭
Mas não é só seguir a Nath Finanças?
Nossas perspectivas quanto ao dinheiro não são apenas sobre números, fazer e cumprir metas; muitas vezes, elas não são nem racionais (quem nunca pediu um delivery porque tava triste?). No entanto, não acho que seja preciso ignorar esses sentimentos para criar uma boa relação com o dinheiro; invés disso, acredito que seja interessante começar a entender a raiz desses maus hábitos, para assim nos apropriarmos deles e fazer um esforço consciente para mudá-los.
Não é nossa culpa, mas é nossa responsabilidade.
Imagino que a vergonha e o ressentimento que tenho sentido sejam sentimentos que muitas pessoas também têm; afinal, existe todo um discurso neoliberal que nos culpa por nossas dificuldades financeiras. E é fácil internalizar essa narrativa e nos vermos como 100% responsáveis por nossa situação financeira, quando, na verdade, grande parte da culpa é de origem política e não do meu hábito de comer fora 1x por semana.
Mas vale se perguntar a quem interessa que continuemos sem educação financeira. Quem se beneficia quando a gente continua se enfiando em dívida?
Jamais vou dizer que basta ouvir 2 podcasts sobre finanças para mudar a sua realidade, até porque não acredito que só educação financeira resolva (existem inúmeras medidas e iniciativas do capital que levam pessoas como nós à este tipo de situação). Mas, dentro de cada realidade, acho que podemos encontrar meios para, pelo menos, nos sentirmos mais confortáveis quando o assunto é esse.
O objetivo de aprender sobre finanças pessoais não é só para melhorar o orçamento ou economizar o suficiente para realizar um plano, mas também para deixar de se sentir ansiose e envergonhade com relação ao dinheiro.
Ééé, gatas, parece que chegou a hora da gente assumir a nossa responsabilidade pelo FUNDO DO POÇO que chegamos kkkrying.
Longe de mim dizer que “quem quer, consegue” e que “só depende de você” (afinal, se fosse assim eu mesma não estaria nessa situação), mas é que, no fundo, eu sei que a vergonha e a culpa estão atreladas à minha relação com dinheiro e que eu sou responsável, de alguma forma, por procurar meios de amenizar isso.
E, cá entre nós, assumir essa responsa nos tira do lugar passivo de continuar vendo o barco se afundar sem fazer nada a respeito.
Não dá pra mudar tudo, mas dá pra mudar alguma coisa.
Um plano realista
Se você me conhece minimamente, sabe que eu não tenho dicas mirabolantes que vão prometer te tirar da merda e ganhar o 1º milhão ainda esse ano. Mas para voltar a respirar direito e colocar a vida nos eixos eu preciso propor, principalmente a mim mesma, um plano que seja realista.
Então, bora lá ao rascunho do que pode ser um passo a passo para sair da famosa PINDAÍBA.
1. Aceitar que não é herdeira
Não dá pra ter uma rotina de Kardashian sem a conta bancária de uma Kardashian.
Esse é, sem dúvidas, o passo mais difícil pra mim. Leonina que sou, é MUITO complicado dizer não para o conforto e para coisas que me trazem prazer imediato e tornam o meu dia mais bonito e agradável. Mas, sei que o princípio da organização financeira é ter um estilo de vida condizente à sua realidade e que, por isso, vou ter que abrir mão de alguns mimos *escrevendo isso chorando muito*.
E entendo que isso é um desafio para mim porque, além do prazer instantâneo de “fácil” acesso, existe também toda uma indústria voltada à mulheres que utiliza de gatilhos emocionais poderosíssimos para promover esse comportamento na gente. Com isso, vamos construindo a nossa auto estima em cima dessa persona criada e cara de se manter.
2. Ficar longe de coisas como #NoSpendMonth
Fazendo as minhas pesquisas para escrever esse texto, encontrei no TikTok (sempre ele) uma trendy chamada #NoSpendChallenge que, em resumo, é o desafio de não gastar nada além do essencial (aluguel, contas de água e energia elétrica, comida, produtos de limpeza e etc). Depois de uns 10 minutos vendo os vídeos, pensei ter encontrado a solução para mim: obviamente eu ia conseguir guardar dinheiro todo mês se não gastasse nada ao longo dos 30 dias.
Logo nas primeiras semanas, eu deslizei e fiz uma comprinha no meu brechó favorito. Nada demais, foi só uns 30€. Na hora foi uma delícia ter garimpado tantas peças legais, mas depois… me senti arrependida, envergonhada e culpada. Pensamentos do tipo “você não consegue passar uma semana sem comprar bobagens, assim não vai conseguir nada na vida, blábláblá” invadiram a minha mente e eu fiquei mal. Mesmo. Não consegui cumprir aquele challenge que, supostamente, era a solução para mim. Era o meu fim.
Mas passado um tempinho, comecei a repensar se este tipo de desafio era mesmo saudável a longo prazo. No meu caso, não foi. Durante as minhas tentativas, o discurso que me guiou era que, se eu deslizasse, era porque não era boa o suficiente e não tinha controle sobre mim mesma.
A narrativa, no fim das contas, é a de que se você cortar seus gastos ao máximo poderá realizar alguns sonhos, mesmo com um salário que dá para o básico e, taaaaalvez, um pouquinho mais.
Claro que isso não significa que cortar gastos seja uma ideia horrorosa. Acontece que os extremos que esses challenges incentivam acabam por estabelecer padrões inatingíveis e insustentáveis.
Enfim, acho que se conhecer e descobrir quais áreas precisam de mais controle é uma iniciativa mais viável nesse processo do que tentar se privar de tudo e acabar se punindo.
3. Fazer escolhas financeiras mais conscientes
Começar a pensar nos meus gastos (sem deixar a culpa, o arrependimento e a vergonha tomarem conta) tem me ajudado a perceber corretamente como eu me sinto e quais são os momentos-situações que provocam os meus gastos excessivos.
A maneira como eu encaro o dinheiro e as minhas crenças em relação à ele são profundas e muito delicadas - aposto que as suas também. Mas ainda dá tempo de criar novas abordagens mais saudáveis quanto à isso.
Como uma pessoa ansiosa, é díficil para mim pensar em estratégias a médio/ longo prazo. Qualquer coisa que traga algum retorno imediato me compra (risos) com mais facilidade do que um plano para daqui 2 anos. Mas olhar com carinho para a minha vida me faz pensar que eu mereço mais do que 2h jantando em um restaurante instagramável (ainda usam esse termo?); com consciência sobre o meu dinheiro e ponderando as escolhas que faço com ele, vou desenvolvendo um comportamento de consumo mais coerente com aquilo que desejo para mim.
“Não é sobre restrição. É sobre ser intencional com o seu dinheiro e depois gastar com as coisas que você ama sem culpa.”
É sobre a gente tentar o nosso melhor para permanecer presente. Eu quero que as minhas escolhas, todas elas (inclusive e principalmente, as financeiras) me aproximem de quem eu realmente sou e do que quero para mim. Em alguns dias, isso vai significar fazer uma viagem; em outros, escolher ficar em casa no sábado à noite e jantar comida requentada.
4. Juntar-se ao movimento “não vou, não tenho dinheiro”
Para mim, dizer “não” é uma frase completa que não requer explicações adicionais. Mas, a depender da insistência da pessoa, eu ainda me sinto forçada a complementar com alguma coisa (que acaba sempre parecendo uma desculpa).
Então, se você sente que precisa se justificar sempre que nega um convite, lanço aqui o movimento “não vou, não tenho dinheiro”. A única regra é usar essa justificativa sempre que alguém te chamar para algo que, para você, não vale o seu dinheiro (ou até vale, mas seria melhor você usá-lo para outra coisa).
Com a difusão deste movimento, vamos juntes espalhar o fato bizarro de que, nem sempre, as pessoas tem dinheiro para fazer tudo!!! Vai ser uma loucura!!! Vamos ser a contracultura do conceito de que todo mundo está sempre bem financeiramente e disponível para todas as coisas que necessistem de dinheiro.
Ser parte desse movimento é também propor rolês que não envolvam (ou precisem de pouco) dinheiro. Desvincular o nosso lazer, descanso e entretenimento de ideais capitalistas é possível e necessário.
Para mim tem sido um caminho difícil, mesmo. Já me questionei muito se estou fazendo o certo, se os motivos pelos quais quero me organizar financeiramente fazem sentido, o que eu gosto de fazer que não envolva dinheiro, o que o dinheiro significa para mim? Ainda dá tempo de reformular tudo isto e não me sentir tão mal quando o assunto é esse?
Escrevi esse texto para organizar mais um pouquinho os meus pensamentos sobre isto e para acender uma luz em você que também se sente assim: você não está sozinhe, mesmo que a internet e outros vários estímulos de consumo te convençam do contrário.
A vergonha e a culpa andam colados na gente nesse sentido, mas existe uma vida sem isto. Eu acredito e tô em busca dela. E você?
Para ouvir:
Podcast Bom dia, Obvious - Finanças e emoções não adoro o episódio todo, mas boa parte da conversa é bem interessante
Para seguir:
Perfil Graninhas no Insta dicas interessantes e realistas sobre finanças com um design que é tudo
Que texto necessário! A cultura de gastação de dinheiro e de “preciso estar fazendo alguma coisa legal todo FDS” é tão latente que ainda surge aquele amigo que quando vc diz não, ele diz que empresta pra você pagar no mês que vem kkkkryng.
texto super necessário, suas reflexões me atravessaram por aqui! Como diz sua news, um passo de cada vez e juntas conseguiremos movimentarmos para longe das maldições financeiras que tanto vamos nos enfiando rs.