A ideia de que o meu trabalho deveria ser a minha paixão e que eu deveria criar ✨ algo grandioso ✨ me persegue há anos.
Nunca fui de muitas ambições e não me considero uma pessoa de grandes paixões; entretanto, sempre existiu em mim o desejo de trabalhar com algo que eu realmente gostasse. Ok que nunca fui apaixonada por nada em específico ou sonhava em ser astronauta quando criança, mas o discurso de “ter um propósito” e tê-lo como foco me pegou e até hoje sofro por não ter o alcançado.
Com isso, lá se vão mais de 10 anos sobrevivendo no mercado de trabalho e me perguntando se há algo errado comigo por não trabalhar fazendo o que gosto ou por ainda não ter um “propósito” tão claro na vida.
Eu sei que a gente não se resume a trabalho e que o tal do propósito pode estar em ter tempo livre para regar as plantas no sábado de manhã.
Inclusive, já tentei me convencer de que o meu emprego é só algo que paga as contas e que esse lance de que o trabalho deve ser a minha paixão é algo inerentemente privilegiado; afinal, quem são as pessoas que podem escolher com o que e onde trabalham, certo? Mas, às vezes, penso ser um desperdício de tempo estar 8h por dia, 5 dias por semana envolvida em algo que não é tão significativo para mim.
A partir daí, penso:
O problema está em mim que não trabalho com algo que realmente brilha os meus olhos ou no capitalismo que me vendeu a ideia de que, além de trabalhar para me sustentar, também devo ser apaixonada pelo o que faço das 9h às 18h?
Em On The Phenomenon of Bullshit Jobs, David Graeber descreveu a “profunda violência psicológica” de trabalhar em um emprego que você secretamente acredita ser inútil e não contribui com nada de significativo para o mundo. Segundo ele, isso cria “um sentimento de profunda raiva e ressentimento”.
Ainda não estou nesse nível.
Apesar de ter quase chego a esse ponto várias vezes em experiências anteriores, hoje tenho uma profissão ok numa empresa super ok.
Mas é que, no fundo, eu sinto que eu poderia tão mais, sabe? Não “mais” em relação a ganhar salários muito maiores, não “mais” em relação a melhorar a qualidade (ou aumentar a quantidade) do que entrego hoje, mas “mais” no sentido de estar envolvida e produzindo coisas que façam sentido pra mim, que vão mais de encontro com aquilo que tenho um interesse genuíno.
Às vezes, sinto que a resposta para todo esse desconforto pode estar em abandonar essas expectativas e deixar o trabalho ser apenas… trabalho; só um lugar onde faço determinadas tarefas e recebo um salário.
Entretanto, em meio a tanta gente que se diz apaixonada pelo o que faz e que lê livros técnicos na praia, sobro eu. Eu que sequer me lembro com precisão o que gosto de fazer e que esqueci qual é o meu propósito, provavelmente entre as contas de água e aluguel que tive que pagar com o meu salário que vem de um emprego que, apesar de fazer bem direitinho, não adoro. Eu e esse paradoxo. Há saídas?
É válida a busca por um trabalho, função e/ou cargo que esteja mais de acordo com os nossos valores e interesses? Ou isso é uma utopia e deveríamos agradecer por ter um emprego, mesmo que ele não reflita nem um pouco as nossas individualidades?
Essa desconexão já me fez querer buscar um emprego ou função mais alinhado com os meus valores, mas a verdade é que eu nem sei o que gostaria de fazer além do trabalho que tenho hoje. Em meio à tantas distrações, tanta comparação com outras pessoas e tantos estímulos, existe a segurança financeira que tenho atualmente e a necessidade de pagar as contas que fazem da minha busca por propósito uma fantasia idealista.
Até que eu consiga encontrar um propósito, estou presa?
Eu não sei se já te disseram, mas perto dos 30 acontece um fenômeno bizarro que você começa a deixar um monte de coisas para trás e mudanças realmente acontecem (se você estiver atenta, claro). E, se você for resistente a elas, vai sofrer até entender que lição a vida tá querendo te dar.
Posso dizer que a minha relação com o trabalho é um desses pontos que tenho sentido (com força!) que precisa ser revisto. Desde que comecei a trabalhar, lá com os meus 18 anos, todas as coisas que aconteceram comigo em relação a carreira foram “sem querer”; claro que foram decisões que fiz ao longo do caminho, mas nenhuma delas foi estratégica ou sequer bem pensada. Eu só segui o flow que a vida foi me levando, visando alguma prosperidade (e até consegui alcançá-la), mas sem jamais me colocar no comando da minha própria carreira. Até que chegou o momento de fazer isso e eu simplesmente não sei qual vai ser o próximo passo.
Estou dividida entre:
- Fazer um esforço para me separar emocionalmente do meu trabalho e continuar encarando-o somente como uma fonte de renda;
versus
- Explorar as minhas paixões e interesses até encontrar meios alternativos de ganhar dinheiro trabalhando com algo que me entusiasme e me dê orgulho.
Seria o impasse de todo millennial?
Como estou longe de alguma resposta, resolvi inaugurar um novo bloco nesta newsletter, chamado:
📣 Para de achar que sabe de tudo e chame um especialista para falar sobre algo que você não faz a menor ideia 📣
Em resumo, sou eu chamando pessoas que sabem muito sobre coisas que eu não sei nada, porém finjo que sim.
Começando por ela, ly takai, minha amiga chiquérrima e Pesquisadora e Criativa Multidisciplinar.
Pedi socorro Fiz algumas perguntas para a ly sobre o que ela acha dessa busca por propósito no trabalho, qual é a opinião dela sobre esse desconforto tão comum e se ela tem alguma luz para me ajudar a sair dessa enrascada. Bora lá:
Qual é a sua opinião sobre essa coisa toda de buscar propósito no trabalho?
Acha um exercício válido ou uma armadilha?
é importante lembrar que o status quo não apenas se articula, mas se atualiza de maneira contemporânea para manter suas estruturas de poder, para mim esse discurso é uma estratégia capitalista que culmina em sintomas atuais como ansiedade generalizada, altos índices de depressão, entre outros.
claro que ninguém tem que ficar atrelado a um trabalho miserável, pelo contrário, mas é urgente usarmos do senso crítico para questionar a quem interessa e se beneficia deste tipo de discurso que diz que se trabalharmos com o que a gente ama não teremos trabalhado um dia sequer na vida. será mesmo?
propósito NÃO É sobre trabalho, mas algumas das nossas motivações podem acabar transbordando nele, não é errado sermos indivíduos capazes de gerar micro revoluções através das nossas afirmativas profissionais, contudo não deixar-se ser consumido pelo trabalho é primordial.
trabalho é PARTE da nossa vida, não toda nossa vida, o propósito não pode e nem deveria estar atrelado apenas a isso.
A frustração e o ressentimento têm sido as minhas companhias nessa fase onde não sei se busco outra coisa ou sossego no emprego que tenho e tento encontrar significado em atividades para além do trabalho. Você tem alguma dica de como sair desse impasse?
terapia, literalmente.
enquanto mentora de carreira fico assustada com a baixa tolerância das pessoas com relação ao fracasso e junto disso com a patologização desse monte de síndrome que nem síndrome é, mas fenômeno e não podemos deixar que eles nos tire o foco da nossa autorresponsabilidade.
vamos voltar aos essenciais e questionar nossos reais desejos, além de aceitar que a vida é sobre a falta, as renúncias, as tentativas, os erros, tem luz, sombra. e urge mais maturidade nossa para lidar com a dualidade, já dizia guimarães rosa "o correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. o que ela quer da gente é coragem!"
precisamos parar de buscar excessivamente a validação alheia, o tapinha nas costas a todo custo, o resultado imediato porque um trajeto é mais sobre desenvolver-se no percurso do que o "lá" onde iremos chegar. os discursos seduzem a ponto de nos desconectarmos da nossa vontade e realidade, mas devemos olhar para a nossa vida com mais carinho, sermos mais gratas pelo que já temos e cuidarmos do mental para sustentar nossos desejos porque não tem como terceirizar a responsabilidade do nosso protagonismo.
não controlamos muitas coisas nessa vida, mas as nossas escolhas precisamos assumir para nós e em toda escolha mora inúmeras renúncias, não tem como ganhar todas!
Falando em atividades para além do trabalho, que coisas você faz para trazer mais sentido e intenção para a sua vida?
pode parecer uma resposta boba, mas busco ao máximo viver em estado de presença, contemplação é algo que sinto que perdemos muito atualmente.
desde sentar num café, olhar a rua e observar as pessoas, ver a vida acontecendo fora do celular até estar num museu emergindo no que está na minha frente, ao invés do clique perfeito me conecto com o que aquilo me faz sentir, se gosto ou não, o mesmo vale para leitura, filmes, outras práticas artísticas que me colocam para pensar. me concentro em absorver o que seria perdido se eu tivesse preocupada em performar algo para produzir conteúdo. rs
e claro, tem a psicanálise que mudou minha existência, não só enquanto analisada como também como uma pessoa que estuda o tema, é ela quem me permite silenciar os ruídos e ouvir o que pulsa.
Se pudesse dar um conselho sobre isso, assim no estilo frase de efeito no Linkedin, qual daria?
movimento lento também é ritmo, falei isso no instagram e nas nossas #CONVERSASPARALELAS [newsletter da ly] porque precisamos voltar a respeitar e honrar o tempo dos processos, nem um miojo fica pronto em 3 minutos! rs
Bom, gostar do nosso trabalho pode ser um pré-requisito ou um privilégio. Pode significar a diferença entre ter orgulho da maneira como colocamos comida na mesa ou nos dissociar do nosso ofício. E eu ainda não sei de que lado estou.
O que sei hoje é que o trabalho não é e nem deve ser toda a minha identidade. Logo, não há necessidade de sobrecarregar a minha carreira com expectativas irrealistas. E seja lá o que eu esteja a procurar - realização, liberdade, propósito ou criatividade, pode ser encontrado em outros lugares e atividades. Mas, ao mesmo tempo, não posso calar a inquietude que há em mim e que insiste em ter um retorno mais significativo no que eu dedico tantas horas semanais.
O que sobra, nesse momento de incertezas, é ter que lidar com a insatisfação. Talvez ela seja um passo (risos), o primeiro deles, em um novo caminho em que eu ainda não sei o que vou encontrar e muito menos onde vai dar. Talvez seja uma fase de fritar menos sobre um objetivo específico de carreira e mais no que eu quero fazer dia após dia.
Quanto mais velha mais madura em relação a isso ou só exausta para continuar tentando ter uma vida mais condizente com aquilo que acredito?
No fundo, gosto dessa pequena rebeldia de me negar a trilhar o percurso que quase todo mundo tá fazendo. Gosto da rebeldia de não me deixar seduzir pela proposta de um salário maior numa vaga chata. Mas lutar “contra isso” é abrir mão de muitas coisas, além de ser cansativo e mal visto. Afinal, onde já se viu não ter ambição de subir na carreira? Sem falar que dizer “não” a um vale-refeição mais alto é loucura hoje em dia.
“Tenho pavor de que grande parte da minha vida se resuma a subir uma escada cujo topo não me interessa — apenas o meio.”
Se você, assim como eu, tá sofrendo com esse dilema e chegou até aqui buscando uma solução, não vai encontrar. Pra quem lê a news há mais tempo, já deve ter notado que eu raramente dou resposta pronta. Me guio pelas indagações e compartilho questões, medos e inseguranças que dificilmente são só meus.
O meu objetivo é sempre expor as minhas paranoias na intenção de encontrar espaços e pessoas que amadureçam junto comigo. Um passo de cada vez, lembra? Por isso, os comentários, a minha DM e o e-mail estão sempre abertos para você me dar um conselho, uma dica, uma sugestão de livro. Vale também esticar o assunto e expor a sua opinião.
Para ouvir:
Podcast Imagina Juntos - Especial de emails (o 2º caso que elas ajudam tem tudo a ver com o tema dessa news 💖)
Para ler:
Livro Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico (indicação da ly! segundo ela: “uma leitura provocativa com relação ao assunto”)
Sério, esse tema saiu no momento que estou mais reflexiva quanto a isso do que o normal (falo assim porque até hoje não lembro um só momento em que não me questionei sobre o meu trabalho e se estou fazendo as escolhas certas). Uma pena que você ainda não tenha encontrado as respostas para tantos questionamentos, porque eu certamente iria aproveitar muitas delas, da mesma forma de um vídeo que vi hoje, no qual um garotinho perguntava pra Alexa algumas questões matemáticas e ela prontamente respondia todas. Me pergunto qual inteligência artificial seria capaz de responder essas nossas indagações.
Engraçado eu parar para ler o texto justamente hoje que passei, literalmente, o dia todo presa na frente do computador, pulando de reunião em reunião e me perguntando "sério? vai ser assim que tu vai usar a maior parte do teu tempo?" Me sinto acolhida em tantos trechos desse texto que em alguns momentos parecia que eram pensamentos tirados da minha própria mente, mas tu me pegou mais em dois pontos específicos, que são: não saber o que quer fazer de fato e o recorrente sentimento de que pode fazer mais do que isso. E ai que reside a minha maior confusão interna: se eu não sei o que quero fazer, como vou poder fazer mais do que faço? E ainda mais: como eu vou poder me dedicar pra solucionar essa questão, se não me sobra tempo suficiente para isso? Ou como eu faço essa descoberta se não posso largar o trabalho atual, porque afinal de contas eu preciso pagar minhas contas?
Me socorre, Alexa!
como gosto de dizer.: nem tudo que a gente ama precisa virar um trabalho (outra armadilha do capitalismo e do discurso de propósito na contemporaneidade). que a gente possa fazer as pazes com nosso tempo, nossos hobbies, nosso ÓCIO e viver vidas mais prazerosas sem necessariamente jogar tudo nas costas da produção. obrigada pelo convite querida! 🖤