De repente, 30.
No dia 06 de Agosto farei 30 anos.
Uma idade que quero ter desde que tinha 15. Juro. Quando adolescente, eu não via a hora de fazer 30; deve ser porque, no alto do meu sofrimento tipicamente adolescente e agravado com questões mentais e físicas, eu sabia que, com essa idade, eu pelo menos não teria os mesmos problemas que estava tendo naquela fase. Corta para 2023 e eu realmente não me sinto tão miserável e sem perspectiva. Hoje, os meus problemas são outros, vários bem mais sérios, mas estranhamente me sinto mais segura frente a eles.
Há cerca de dois anos, venho sendo forçada convidada a amadurecer de verdade; tarefa esta que é sempre difícil, eu sei, mas que, aos 20 e tantos, é uma transição mais complicada do que parece.
Para algumas pessoas, entrar em uma nova década pode rolar sem grandes e perceptíveis mudanças. Afinal, a vida não segue um plano padronizado e linear para todo mundo. Mas comigo, que sempre pensei muito (e sofri e analisei em detalhes os meus comportamentos e sentimentos…) obviamente seria uma fase transformadora. Eu só não sabia o quanto.
E parece que mais gente anda passando essa transformação.
Esses dias perguntei no meu Instagram se existiam pessoas que me seguiam que fizeram ou vão fazer 30 anos este ano; levei um susto quando mais de 40 pessoas responderam que sim (hahah isso que é target 🎯).
Enviei então um questionário para esses gatinhes com algumas perguntas para saber como essa fase tem impactado suas vidas. Foram muitas e incríveis respostas que serão inseridas ao longo da news de hoje; então, toda vez que aparecer uma frase entre aspas e com a barrinha azul do lado, é a citação de uma dessas pessoas especiais que tanto me ajudaram a escrever este texto.
Tenho sentido uma tomada de consciência sobre tudo, inclusive dos limites que muitas vezes eu me recusava a encarar e estabelecer. É como se, de repente, um senso de responsabilidade real, quase tangível tivesse baixado em mim e, “de um dia para o outro”, eu me tornasse incapaz de ignorar o desconforto de continuar fazendo coisas que não condizem com quem eu sou.
Mudanças significativas tem acontecido desde então: parei de consumir álcool, finalmente assumi que só terapia não estava sendo suficiente e procurei um psiquiatra, comecei a me alimentar direito, diminuindo industrializados e aumentando a ingestão de comida de verdade, comecei a levar o exercício à sério (a ponto de encará-lo até como um divertimento!!!) e parei de fazer tantas concessões a mim mesma.
“Tenho me tornado uma pessoa mais simples, dizendo mais nãos e me retirando de qualquer situação que me deixe desconfortável.”
Eu sei, eu sei… falando assim, parece incrível. Um casulo se abrindo e uma borboleta belíssima saindo de dentro dele.
E realmente tem sido um processo muito bonito e rico, mas doloroso em vários momentos. Notei, por exemplo, que rola um sofrimento sempre que insisto em me manter em lugares, comportamentos e com pessoas que já não me fazem mais sentido. Sempre que resisto à alguma mudança, sofro. Ou seja, quanto mais me apego à minha “antiga” vida - relacionamentos, fantasias de uma carreira incrível, delírios de ter um corpo perfeito - mais doloroso é.
Quando noto essa teimosia em não abraçar o novo, desafroxo os nós e permito que a mudança chegue até mim. Mas não é natural, parte de mim ainda sente-se segura na maneira como sempre fiz e encarei a vida. Ainda assim, essa força imparável vem e sacode a minha relutância, destruindo os meus apegos juvenis, me despertando para a minha própria autoridade, arbítrio e poder.
E eu que sempre tentei, em vão, controlar tudo, finalmente me sinto no controle de mim mesma, a única coisa que realmente posso comandar.
Vários momentos transformadores já aconteceram comigo, mas nada parecido com o que estou vivendo agora. Junto a tudo isso, vem até um certo prazer em perder o medo de ser vista como vilã; tudo tem dois lados e a gente, vez ou outra, vai ser a parte ruim da história de alguém.
A diferença é que, pelo menos pra mim, é recente notar esse sentimento de tudo bem não ser aquilo que esperam de mim. Fiz as pazes com quem eu sou e tomei a decisão de me carregar para onde eu for. Com alívio, assumo as dores e as alegrias de ser uma pessoa em sua inteireza, sem mais interpretar diferentes papeis que exigiam de mim.
“Hoje não faço tanto esforço como fazia antigamente para ser "dócil e boazinha" e tento ser mais fiel a quem eu sou e o que eu sinto.”
E, como já dei o spoiler, nem tudo são flores.
Tem sido também um período de muitos questionamentos, de criação de novos critérios sobre o que é importante pra mim e quais relacionamentos parecem ultrapassados: mantenho uma amizade por desejo genuíno ou apenas por culpa? Isto aqui vale mesmo o meu esforço ou continuo a fazer por “obrigação”? Com o que eu contribuo? Qual é o meu legado até agora? Que papel eu quero na vida?
Éééé, gatas.
“As coisas que antes eram muito “aceitáveis” passaram a me incomodar muito, percebi que não impor limites estava me adoecendo.”
“Finalmente assimilei que não tenho que continuar alimentando amizades que não fazem mais sentido pra mim. O fim chega e é mais saudável não lutar contra esse movimento.”
Nesse processo de assumir a minha complexidade, muitas frustrações também aparecem. Afinal, os 30 costumam ser aquela idade em que, na teoria, a gente já devia ter alguns sonhos realizados: o carro próprio, a faculdade feita, um relacionamento saudável, independência financeira e etc. E claro que eu não tenho tudo isso resolvido. As coisas estão melhores agora porque passei os últimos anos (principalmente de 2022 pra cá) trabalhando em aspectos importantes da minha vida, mas ainda há muito o que “resolver”.
Por exemplo, me sinto para trás toda vez que tenho a infeliz ideia de me comparar com outras pessoas da minha idade. Aliás, nem vou entrar muito na problemática da comparação, tão responsável por tornar essa insatisfação ainda maior, mas é inevitável não se perguntar “que merda eu fiz nos últimos anos que não tenho hoje uma vida igual a dessa pessoa?” quando vejo alguém que parece tão pleno e com a “vida feita” aos 30 anos.
É injusto, eu sei, porque só eu conheço em detalhes o caminho que percorri até aqui. A minha história poderia até ser contada por uma ótica meritocrática, da guerreira que nasceu pobre, ascendeu e mudou de país, mas eu sei que sou uma exceção e jamais vou promover discursos do tipo “se esforça e tudo será possível”. Mas por outro lado, reconheço o crescente orgulho que tenho sentido de quem me tornei, apesar dos tropeços e quedas que tive ao longo do caminho.
“Acredito que ao fazer 30 anos eu tenha tomado um banho de amadurecimento quase que imediato. A fatídica data estabeleceu na minha cabeça um bálsamo de autoaceitação muito significativo.”
E sobre essa coisa toda de achar que estou pra trás, que não cheguei onde determinada pessoa chegou e que “perdi tempo”: esse período tem me feito questionar se esses planos e sonhos eram realmente meus ou algo padronizado que me foi induzido ao longo da vida.
“Desde sempre tive uma série de realizações que TINHA de cumprir antes dos 30. Cheguei neles sem ter alcançado essas metas todas e percebi que afinal tenho tempo, que um monte de coisa nem importa e que vários objetivos que eu estava correndo atrás, era mais pelo hábito e não parte do meu eu do presente.”
Quando foco nos meus próprios passos, percebo que alcancei algum sucesso, pode não ser o conceito clichê que a gente aprendeu desde cedo a percorrer (mesmo que não nos significasse nada), mas é um triunfo.
“Eu fiz meu próprio caminho e o meu caminho me fez.”
Triunfo - Emicida
Por outro lado, tem também a parte complicadíssima de aprender a dizer não a mim mesma.
Parte da maturidade é definir o que é bom e ruim pra si, mas isso implica, principalmente, em saber que nem tudo o que a gente pode e quer é aquilo que a gente deve fazer. Nem sempre o que a gente precisa, de verdade, vai ser o mais confortável e tenho aprendido que, por mais tentadoras que elas sejam, as soluções mais fáceis (os famosos atalhos) não são as que vão colaborar realmente com o meu crescimento. Já contei que sou viciada em me mimar e negar alguns mimos a mim mesma em nome de algo maior (mais saúde, mais dinheiro poupado, etc) tem sido desafiante.
E, apesar de doloroso, assim que percebi que estava passando por essa fase, decidi não encará-la como algo ruim e sim, um momento de auto-reflexão e, sobretudo, de começar a entender que envelhecer é um privilégio. Estar viva e experienciando essas mudanças, as percebendo e acolhendo, chegando à algumas conclusões, mas com a segurança de que posso mudar de opinião a qualquer momento.
Abraçar as contradições também é intrínseco a esse processo.
Ser contraditória, às vezes, mudar de opinião depois de um tempo, ser complexa, ter algumas atitudes inesperadas, agir sem fazer muito sentido. Isso me faz ser plural e não existe maior riqueza do que passear pelo mundo exibindo tudo aquilo que faz parte de mim. É uma dádiva me abraçar sem julgamentos, finalmente, depois de tantos anos de auto ódio e negligenciação daquilo tudo que eu sou.
“Agora, nos 30, me sinto muito mais eu mesma, se isso faz sentido. Confortável com meu corpo, com minhas esquisitices. Me acho uma pessoa legal, interessante. Muita coisa não tem o mesmo senso de desespero e urgência dos 20 e poucos.”
Ainda existe alguma inquietação e muitos medos, mas tenho a sensação de, agora sim, estar começando algo. Hoje sou mais capaz de simpatizar (e perdoar) meu eu mais jovem por todas as coisas que ele teve que fazer para sobreviver. Embora haja uma certa tristeza ligada ao período em que mal consegui me manter funcionando, hoje consigo olhar para trás com gratidão em vez de arrependimento.
“Encontro nos meus primeiros fios brancos uma versão minha que sempre esteve adormecida, proibida de emergir à superfície; uma versão que é mais falha, mais indomável, um tanto quanto alheia aos olhos do outro. Ela é mais familiar do que qualquer coisa e, ao mesmo tempo, uma completa desconhecida. Essa mesma desconhecida é a que tem misturado estampas que não fazem sentido, é a que tem se explicado um pouco menos, se livrado de excessos, falado um bocado de nãos, enfraquecido laços que apertam ao invés de abraçar. Em sua rede semântica, desagradável é cada vez menos um medo e mais uma coragem.”
Ainda há dias em que eu queria voltar no tempo e fazer as coisas do “jeito certo”, pulando a parte sofrida, maaaaas felizmente esse sentimento não dura muito. Sou inteligente o suficiente para saber que nunca houve um caminho certo e único. O presente é o único lugar onde tenho poder ou arbítrio e, finalmente, estou genuinamente feliz por morar aqui, nos 30.
Para ouvir:
Episódio Coisas que aprendi aos 20 do podcast Gostosas também choram, da Lela Brandão;
Para assistir:
Vídeo 29 coisas com que aprendi com 29 anos, da Nataly Neri (será que vai existir alguma edição que eu não cite essa mulher?)
Para ler:
A news da Luisa Manske - Sobre retornos de Saturno e saber (ou não) o que se quer